Aê, todo mundo

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Lembre-se: esse papo de 'só o amor constrói' é balela: quem constrói é o pedreiro.

terça-feira, setembro 19, 2006

Cena urbana n#3 (ou:essa gente tem que ir presa!)

Sebunda-feira.

Dia nacional do mau humor.


Milagrosamente eu tava animada naquele dia. tinha fugido da senzal... ops, tinha conseguido uma folga no serviço e rumava, lépida e fagueira rumo ao Museu... ia pesquisar ... Sim, eu sou proleta má num sô anarfa...

Sebunda-feira. oito e tantas da matina. Lá vou eu pela rua da praia.

No meio do caminho um sujeito totalmente maltrapilho, com uma garrafa de cachaça na mão, vinha cambaleante, o calçadão era pequeno pra ele.
Veio em minha direção.
Só então eu percebi que não era a cachaça que fazia a calçada estreita: ele cantava um samba enredo antigo e dançava tal qual um animado mestre sala.
Parou diante de mim, tocando um invisível pandeiro.
Dei um breve sorriso e fiz uma mesura discreta com a cabeça.
(tava tão alegrinha e o sujeito era tão afinado que a minha vontade real era cair no samba do criolo doido com o próprio)
Chego na porta do museu.
Um sujeto carrancudo e mal humorado me informa que há duas semanas o arquivo não é mais aberto pelas manhãs.
Agradeci e saí a homenagear algumas progenitoras inocentes de alguns diretores de museus.
Puta da cara, madisse minha sorte e o descaralhado dia em que fui parida - parida não, eu devo ter sido é cagada, nessa latrina américa dos infernos - nessa porra desse mundo fudido e desgraçado onde uma proleta não consegue dar sorte na merda do único dia de folga da porra da semana (na época eu fazia plantões fim de semana sim, outro também sábado e domingo)

Ao retornar, uns 400 metros adiante, me deparo com o mesmo sambista.

Desta vez manejava com a maestria uma lata de lixo de plástico, utilizava-a como instrumento de percussão pra acompanhar sua voz de barítono afinada em outro samba-enredo. Aquele sujeito, que não tinha nada além de andrajos e uma garrafa de cachaça já no fim, oferecia seu espetáculo de ritmo e alegria diante de uma fila de desempregados em busca de uma vaga.
Ao final do samba, ele fez uma mesura e disse pra galera da fila:
- Pode aplaudir, pessoal, pode cantar junto quem quiser! O patrão não tá olhando!

Eu sorri envergonhada.

Muito, envergonhada.

Depois da revolta, meu lado reaça apareceu com tudo e mandou essa:
"segunda-feira de manhã um sujeito sem eira nem beira, um sujeito que sequer dormiu numa cama, seguramente não comeu absolutamente nada no café da manhã, saí por aí cantando samba-enredo em pleno agosto... isso é subversivo!!! Isso é contra todas as leis da moral, dos bons costumes, do capitalismo... isso atenta contra a nova ordem mundial! Essa gente tem que ir presa! Isso deveria ser contra a lei!"