Aê, todo mundo

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sábado, outubro 27, 2007

Véio feio reloaded

Mano. Era assim que todos o chamavam. E ele aprendeu com o outro (o do post abaixo) que era fácil me subornar com a palavra chave: BANHO.

Banho era a senha infalível de entrada pra passar por mim.

Bem, mas antes de contar essa história tenho que falar do Mano: assim como o véio do post anterior Mano não era tão velho assim, também era seqüelado de um avc (acidente vascular cerebral) e, como se não bastasse, também era chegado em emboracar toda a cachaça que foi posta nesse mundo cão.
E assim, dia após dia, o MAno chegava caindo pelas quinhentas e eu perguntava:

-E aí, Mano, cuméquié? Assim não vai dar, meu querido...

-Banho, banho.
Sim, ele era seqüelado do avc e eram poucas as palavras que conseguia pronunciar com clareza. Banho, estranhamente, era uma delas.
E assim, munido de toalha e sabonete, ele rumava em direção ao vestiário.
Passaram semanas a fio nessa rotina: nego chegando bêbado, eu ameaçando barrar e sendo subornada pelo banho.
Até o dia em que caiu a casa:
Um outro sujeito vinha chegando borracho e foi sumariamente barrado.Indignado com a minha injustiça, do alto de sua sabedoria alcoólica, neguinho entregou:
- É só comigo, né? Aquele outro chega todo o dia caindo e entra, só porque promete que vai tomar banho... mas ele nem banho toma, só molha a cabeça e a toalha que eu vi...
Atrás de mim, uma pá de nego ria e concordava.
Sim, eu perdi pro véio feio. Pô, perder prum véio feio, seqüelado e borracho???? Pensei em sair dali imediatamente, procurar o zoológico mais próximo e ocupar a jaula da anta! Fui confirmar a história toda... era verdade.
As únicas palavras que pude proferir foi: deixa estar!
E não demorou muito pra minha revanche chegar.

Lá vinha ele, cambaleante, já dizendo: Banho, banho...
Ah, banho, é... deixa estar.
Convoquei um fiel escudeiro e o deixei plantando no vestiário, com a única missão de fiscalizar se o banho estava acontecendo mesmo ou se, mais uma vez, eu seria ludibirada.

Do lado de fora da porta, ferida de morte no meu orgulho profissional e louca de ira, eu gritava:
-É pra lavar tudo, meu! Esfrega tudo aí senão eu vou entrar e fazer o serviço! Caiu a casa, magrão, agora tu vai tomar banho DE VERDADE, todos os dias, mermão!
Sim, assim eu conquistei um inimigo furioso, que, na sua língua peculiar, me presenteou com uma série de impropérios ininteligíveis (mas suspeito que minha santa mãezinha foi lembrada)
Depois dessa, ainda tivemos outras peleias, como na vez que encontrei dentro do tênis dele uma escova de dentes e um limão e exigi que a bagunça fosse arrumada.

Com o tempo, percebendo que a cada novo banho, ele ia ficando mais cheiroso e mais querido por todos, minha mãe deixou de ser lembrada em seus resmungos. Nossa "inimizade" se transformou em camaradagem e durou até o dia em que o Mano voltou para a casa de sua filha.
Nesse dia, todos sentimos uma pontinha de tristeza. Por alguma razão inexplicável, Mano, com sua língua truncada e sua risada fácil funcionava pra nós como um amuleto de boa sorte, como um pedaço de infância perdida.
Na hora da despedida, ainda recomendei: não esquece de tomar banho... e novamente, minha mãe foi lembrada. E com razão!