Aê, todo mundo

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sexta-feira, novembro 30, 2007

Latifa - dura na queda

Há muito que eu venho tentando escrever sobre essa figura, e nunca consegui fazer um texto a altura. Na verdade, quando criei essa gazeta infecta um dos primeiros textos programados era sobre ela. Foi recriado várias vezes. nunca ficou bom. Esse também não é um texto a altura, mas vai assim mesmo!


Janeirão, sexta-feira. Um calor da porra. Eu de TPM, final de mês(ou seja, sem um puto), fula porque iria fazer plantão na domingueira e contando os dias pras férias.
Aí, chegam meus colegas da abordagem com uma figura que

a) tinha cara de doida

b) tinha jeito de doida

c) tinha cheiro de doida.

Como quem a trouxe era o Zão, parceiro véio de outras empreitadas, já foi logo levando uma bronca daquelas:

Aí, rapá, o Brad Pitt tu não me trás na sexta-feira, né? Chega mais e vamos ver que coisa fofa é essa!
A coisa fofa em questão era mesmo uma figuraça única nesse mundo. Deveria ter, no máximo 1,50m, negra como a noite, magrinha, magrinha... sua carapinha grisália, caprichosamente ajeitada num autêntico dreadlock que fora penteado para o alto da cabeça e preso graciosamente com um daqueles antigos conectores de porcelana, usados na rede de alta tensão antigamente. Pode parecer estranho, mas aquela mulher maltrapilha tinha muita elegância e bom gosto em seus andrajos.
Já logo na chegada ela veio sorrindo. Um sorriso meigo e doce.
Quando sentamos pra conversar, aí, meu pai, o troço descaralhou de vez.

(antes de tudo, um parenteses: o Zão, meu colega e eu temos a honrosa fama do "axé de louco" tudo quanto é piradinho a gente adota e, em contrapartida, é adotado por eles...)

Vamos fazer o bom e velho prontuário. Ela, depois de pedir licença pra sentar, ajeitou-se na cadeira com as perninhas muito juntas, segurando contra o corpo uma mochila cor de rosa. Da barbie. pude ver que tinha um anel em cada um dos dez dedos da mão e umas cinco pulseiras em cada pulso, além, é claro, dos brincos e colares, que ostentava em profusão e harmonia.
Nome: Latifa
Idade: 11 anos

PArou! outro parenteses:(alguém aí vai dizer que eu tenho uma coleção de criolo de cabelo branco... tenho sim, e daí? é contra a lei?).
-
Florzinha, que ano tu nasceu?

-é... eu fiz 12 anos semana passada. Eu fiquei mocinha, sabe, fiquei (sussurrando pro meu colega não ouvir) fiquei menstruada.

Caralhos alados! ela tá muito mais próxima da menopausa que da menarca! Vamos tentar de novo!

- Então, em que ano tu nasceu, filha?

- ah, isso eu não sei. Eu adoro a barbie, sabia?

- Não, não sabia! E desde quando tu brinca de barbie?

- desde que eu era pequenininha!

- e isso faz quanto tempo?

- pouquinho, né, eu só tenho 12 anos!

A todas essas, com o seu olhar meigo e seu sorriso doce, Latifa, que vinha sem lenço e sem documento, nada nos bolsos e três mochilas cor de rosa nas mãos, até me fez esquecer um pouco do cansaço, do emputecimento e da cólica. Por um momento, aquela peter pan do terceiro mundo, fez com que eu tentasse viajar pelos desvãos de uma alma dolorida, porém, ensolarada.
- Por quê que tu fugiu de casa, Latifa?

- Ah, não sei!

- olha só, a gente vai deixar tu ficar aqui... vou ver uma caminha pra ti e um lugarzinho pra ti guardar as tuas coisas.... mas tu não pode fugir, tá?

- tá.... eu posso usar baton?

- pode, Latifa, aqui pode usar baton.

- onde eu tava não podia usar baton.

Latifa foi pro banho, e quando reapareceu diante de nós já havia trocado o seu conjunto de bijuterias e - não sabemos de onde - arranjado um perfume.
Fui pra casa um pouco mais contente naquele dia.
Ligo o rádio pra ouvir uma musiquinha e... dura na queda. Ouvi na voz de Elza Soares e lembrei imediatamente da minha "menininha" de 12 anos. Ri. Chorei.
Domingo, quando voltei, recebi a triste notícia de que ela havia fugido, tão logo trocou o plantão. Nunca mais encontrei Latifa ou ouvi falar dela. Desconfio que
fosse um anjo caído.

Perdida

Na avenida

Canta seu enredo
Fora do Carnaval

Perdeu
a saia
Perdeu o emprego
Desfila natural
Esquinas
Mil buzinas

Imagina orquestras
Samba no chafariz

Viva a folia

A dor não presta

Felicidade sim

O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar

A vida é bela

O sol, a estrada amarela

E as ondas, as ondas, as ondas

Bambeia
Cambaleia
É dura na queda
Custa a cair em si

Largou família
Bebeu veneno
E vai morrer de rir

Vagueia
Devaneia

Já apanhou à beça

Mas para quem sabe olhar

A flor também é
Ferida aberta
E não se vê chorar